sexta-feira, 31 de julho de 2009

Rachel de Queiroz: a primeira escritora “imortal”

Claudiana Soerensen, Mestre em Estudos Literários pela UFPR, Especialista em História do Brasil, Graduada em História e em Letras.


Única mulher a figurar entre os romancistas da geração de 1930, Rachel de Queiroz (1910 - 2003) era prima de José de Alencar pela genealogia materna. Cedo manifestou a paixão por livros. Costumava contar que leu “Ubirajara”, obra do primo célebre, aos cinco anos: “obviamente sem entender nada”.

A vida escaldante no nordeste brasileiro fez a família Queiroz fugir do Ceará. A face cruel da seca revelou-se para a menina Rachel em 1915, então com cinco anos. O episódio ficou gravado na memória da pequena e anos mais tarde tornou-se a base para a construção do romance “O Quinze”.

As circunstâncias que a levaram a escrever seu primeiro livro, um dos mais importantes, são curiosas. Padecendo de uma séria congestão pulmonar, com suspeita de tuberculose, a jovem de dezenove anos tinha que se submeter a um rígido tratamento. A mãe obrigava Rachel deitar-se cedo, antes das 21 horas. Como ela não tinha sono, decidiu anotar em seus cadernos, à luz de lampião, um romance sobre a seca, comovida pelo flagelo que presenciou. A edição de mil exemplares foi custeada pelos pais, que “emprestaram” à filha os dois contos de réis necessários.

No Ceará a crítica não deu muita atenção ao romance, mas com os elogios de Mário de Andrade e de Augusto Frederico Schmidt, Rachel de Queiroz se transformou numa celebridade literária. O sucesso de venda da primeira tiragem garantiu o pagamento do empréstimo aos pais. “O Quinze” ajudou a firmar a tradição dos romances vistos, na época, como criadores do “ciclo nordestino” na literatura brasileira.

Ao receber o prêmio da Fundação Graça Aranha em 1931, um ano após o lançamento do livro de estréia, ela faz contato com integrantes do Partido Comunista (PC) e ao voltar a Fortaleza, colaborou ativamente na fundação do PC cearense, chegando a ser fichada como “agitadora comunista” pela polícia política de Pernambuco. O namoro com o partido, porém, durou pouco. Em 1932, ao ser informada de que o romance “João Miguel”, no prelo, não seria aprovado, a escritora rompe com o partido. O livro é publicado, Rachel se muda para São Paulo e liga-se ao grupo trotskista.

Em 1937, no início da ditadura Getulista (conhecida também como Estado Novo), Rachel lança o romance “Caminho de pedras”. Seus livros são queimados em Salvador, junto aos de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, por serem considerados subversivos. Ficou presa durante três meses numa sala de cinema do Corpo de Bombeiros de Fortaleza, por sua militância política.

Definindo-se jornalista, Rachel publicou mais de duas mil crônicas em diversos jornais brasileiros, cuja seleção proporcionou a edição dos seguintes livros: “A donzela e a moura torta”; “Cem crônicas escolhidas”; “O brasileiro perplexo” e “O caçador de tatu”. Escreveu, também, duas peças de teatro, “Lampião” (1953) e “A beata Maria do Egito” (1958), laureada com o prêmio de teatro do Instituto Nacional do Livro. No campo da literatura infantil, escreveu o livro “O menino mágico”, a pedido de Lúcia Benedetti. O livro, no entanto, surgiu das histórias que inventava para os netos.

Leitora ávida, não só de obras em língua portuguesa, traduziu mais de 40 obras de vários escritores. Entre seus autores preferidos aparecia com destaque Dostoiévski, de quem traduziu várias narrativas, incluindo três volumes de “Os irmãos Karamazov”. Também vieram dos russos as várias leituras socialistas que seduziram a jovem e levaram-na a abraçar o trotskismo. Mas a escritora não pensava só em política e gostava de ler Balzac, Jane Austen, Emily Brönte, Jack London, Júlio Verne e outros. Todos esses autores tiveram alguma de suas obras traduzida por Rachel.

Em 1992 publica o romance “Memorial de Maria Moura” e dois anos mais tarde ocorre a adaptação dele para a televisão, o que a tornou ainda mais popular, e provocou o leilão de editoras pelo direito de publicação de suas obras completas rendeu-lhe cento e cinqüenta mil dólares. Nada mau para uma autora que confessou não gostar de escrever e que se dizia mais jornalista do que escritora.

Sempre humilde, Rachel de Queiroz assim definia-se: “Eu não faço grande uso de mim mesma, e, portanto, da minha chamada ‘obra’. Eu fiz uns livrinhos, estão aí, tomara que as pessoas continuem gostando”. Essa serenidade parece tê-la acompanhado ao longo de seus 92 anos de vida. Sofrendo de diabetes, morreu enquanto dormia em sua casa no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, 13 dias antes de completar 93 anos, vítima de um infarto do miocárdio. A escritora cearense, foi a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras, tornou-se “imortal” ao lado do reduto até então exclusivamente masculino, abrindo caminho para outras autoras.



Dica de consulta sobre a autora:

Site da Academia Brasileira de Letras -

http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=115

Nenhum comentário: