sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Literatura e formação profissional: possibilidades de humanização

Claudiana Soerensen, Mestre em Estudos Literários pela UFPR, Especialista em História do Brasil, Graduada em História e em Letras.


O que é literatura? Para que serve? Tais questões percorrem, corriqueiramente, salas de aula. Em uma sociedade que privilegia o capital, a humanização é algo secundário (quando muito!); e como a literatura caracteriza-se pela humanização, relega-se a ela minimizada – ou quase nula – importância. Por que, então, estudar e lecionar literatura?

Na obra Educação e emancipação Theodor Adorno explana que é necessário que toda discussão pedagógica leve em consideração a exigência primeira de que a injustificável monstruosidade de Auschwitz (campos de concentração localizados no sul da Polônia, utilizado por nazistas para exterminar seres humanos) não se repita, posto dirigir-se toda educação contra qualquer tipo de barbárie. No entanto, a consciência existente em relação a esta exigência é pouca, colaborando-se assim para a possibilidade de que o barbarismo se repita, consideremos a chacina no Instituto Politécnico da Virgínia ocorrida nessa semana, na qual um estudante provocou a morte de trinta e três pessoas, incluindo a sua.

Com a tendência de achar que nossos direitos, anseios, necessidades são mais urgentes que as do outro, esquecemos que o que é fundamental para nós é também indispensável ao próximo. Então, quando “evocamos bandeiras” em prol de uma formação íntegra – prevendo formação técnica e humana – será que lembramos que nosso aluno deve ter acesso ao mesmo?

É preciso ter consciência de que formação íntegra requer esforço e muito sofrimento. Se algumas pessoas não têm disposição para ter a completude dessa formação, pois necessita tempo, paciência e dedicação verdadeira, não deveriam ensinar, já que parte do conteúdo transmitido ficará guardado, inclusive temas e assuntos mal formulados. Há que se ter extremo cuidado ao formar opiniões, pois tornamo-nos responsáveis por uma formação intelectual, a qual poderá ser precária ou não.

Adorno afirma que a crise da formação cultural não se pode prender somente à pedagogia ou ser objeto exclusivo da sociologia, mas deve perpassar todas as esferas teóricas contemplando um debate sério. Para o teórico a formação cultural se converteu em uma semiformação socializada, na presença constante do espírito alienado que é símbolo de uma consciência que renunciou à autodeterminação, a qual se prende, de maneira obstinada, a elementos culturais aprovados. Apesar de toda ilustração e de toda informação que se difunde (e até mesmo com sua ajuda) a semiformação passou a ser a forma dominante da consciência atual, o que exige uma teoria abrangente.

Diante de tal panorama, de uma semiformação socializada a qual encobre por meio de ideologias a realidade precária da formação, o que fazer? Ao expor que “o conhecimento dos abusos sociais da semicultura confirma que não é possível mudar isoladamente o que é produzido e reproduzido por situações objetivas dadas que mantêm impotente a esfera da consciência” o sociólogo e filósofo frankfurtiano Theodor Adorno alerta-nos sobre a necessidade da coletividade. Não uma coletividade alienada, mas consciente e auto-reflexiva; e ele alerta: “a única possibilidade de sobrevivência que resta à cultura é a auto-reflexão crítica sobre a semiformação, em que necessariamente se converteu”. Assim, o resgate cultural é validado como fonte indispensável à formação plena, e a cultura engloba algo particularmente direcionada aos estudantes da Literatura. Mas o que é a Literatura? Para que serve?

Para o crítico literário Antonio Candido a Literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. Ao sairmos da realidade (para saborear e vivenciar uma obra literária) e mergulharmos na ficção, temos a possibilidade de nos humanizar no sentido pleno definido pelo grande mestre: “[...] humanização - processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o sentido da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor”

O papel humanizador da literatura impõe-nos uma indagação como lâmina cortante: como ser um bom professor de literatura diante da tarefa tão especial que é disseminar a humanização através dela? Ou devemos nos contentar com a simples função de indicadores de catálogos literários?

A educação ou a formação num sentido amplo, via de regra, não é mais o objetivo primeiro das instituições (atualmente não cabe mais a diferenciação entre universidades particulares e públicas – a maioria destas também se rendeu à lógica do mercado quando se mostra condescendente à formação medíocre) e o conhecimento submete-se às regras do capitalismo regido pelo neoliberalismo. O conhecimento, não é mais o sujeito da educação, este é o capital. O capitalismo reduz as políticas educacionais aos mecanismos econômicos; a economia às finanças; as finanças como jogo de mercado; e o mercado não é ditado pelo profissional que detém o conhecimento, ao contrário, ele é submetido a ele.

Os professores encontram muitas dificuldades pelo caminho, pois sua profissão lhes nega (além do retorno financeiro) a separação entre o trabalho objetivo e o plano pessoal, já que se objeto de trabalho é o ser humano, o que torna difícil esse tipo de afastamento. É necessário vencer tabus que cercam a formação do professor a fim de que se resgate o valor a verdadeira intenção de formar-se em licenciatura, que é a de possibilitar uma formação crítica e cultural aos alunos, destacando em especial o professor de Literatura.

Para responder as proposições iniciais – o que é e para que serve a Literatura – aproveito as sábias palavras de Marilena Chauí, filósofa, professora, leitora assídua de literatura, expondo a utilidade da filosofia, estendida aqui à Literatura: “Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes”. Privilegiando a utilidade destacada por Chauí, nos encontraremos, quinzenalmente, para discutir e falar sobre literatura.





Dicas de leitura:

  1. Educação após Auschwitz” e “Teoria da semicultura”, do autor Theodor Adorno, disponível no site http://planeta.clix.pt/adorno
  2. Convite à filosofia, Marilena Chauí, Editora Ática.
  3. “O direito à literatura”, Antonio Candido, capítulo do livro Direitos Humanos e Literatura de Antônio Carlos Ribeiro Fester.

*Publicado originalmente no suplemento especial "Educação" do jornal "O Paraná", edição 373, página 11, 20/04/2007.

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