sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Terrorismo e Democracia

Claudinei Aparecido de Freitas da Silva, Professor Doutor do Curso de Graduação e Pós-graduação (Mestrado) de Filosofia da Unioeste - campus Toledo. Contato: cafs@unioeste.br



A verdade é que vivemos em

meio a um 'fogo amigo' que está bem longe de apagar





Em Nova Iorque, em Madri, em Londres, no Iraque, no Líbano, mas também no Brasil... em cada alvo, uma mesma lógica que comanda, freneticamente, uma concepção de “terror” e de “democracia” que vem se pluralizando semanticamente, insuflando os limites a que nossa cultura chegara, já diagnosticados por Freud em o “Mal-Estar da Civilização”: o sintoma da neurose não poderia alcançar tamanha dimensão sem precedentes na história! E não será necessário listar, ao longo da história milenar, os incontáveis protagonistas do “bem” (de Nero a Bush, sem deixar de passar por Hitler, é claro) que jamais pouparam esforços no sentido de propagar seus feitos numa espécie de estandarte da democracia.

Ora, não são apenas as idiossincrasias pessoais de um líder ou uma facção parlamentar que determinam, por assim dizer, o curso em série dessas façanhas. A questão é bem outra: na superfície de razões culturais ou religiosas, tenta-se camuflar outra razão de base: a moral político-econômica. Assim, não é preciso ser cientista político ou economista para perceber os efeitos dessa lógica, cuja difusão assume, comumente, proporções astronômicas: “pelos frutos, se conhece a árvore”...

Em agosto de 1945, momento memorável do primeiro “teste atômico” sobre Hiroshima e Nagasaki, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty tecia uma oportuna análise. “A crítica política não se ocupa somente com idéias, mas também com as condutas que tais idéias mascaram em vez de exprimir [...] se conhece melhor o homem por suas condutas do que por seus pensamentos” (Sens et non-sens, p. 122; 131). E, na mesma época, Einstein viria a expressar sua angústia: “O cientista sofre de que os métodos tecnológicos, que seu trabalho tornou possível, caiam em mãos dos expoentes moralmente cegos do poder político, econômico e militar; que a destruição universal seja inevitável”...

Mais do que simples “profecias”, tais análises ensejam uma leitura crítica fundamentalmente rigorosa. Cabe-nos desvendar as múltiplas faces do terrorismo e, por que não, de nosso conceito de democracia... Ora, Pinochet, Bin Laden e Sadam, nossos prediletos “bodes expiatórios”, são, de fato, atores de terror, mas, convenhamos: não podemos imputar-lhes, com direitos exclusivos, a patente de nosso já famigerado modelo trash de cultura política. Por trás de suas encenações há a direção de renomados “cineastas”, cujo roteiro cinematográfico dirige uma legitimidade que transcende a ONU e qualquer outro organismo social!

Em nome do capital e de sua expansão ad infinitum, inúmeras vidas apagam-se para sempre, num milésimo de segundo. Seja o ataque de “homens/bomba”, seja o voluntarismo milico por “amor à pátria” ou, ainda, a ação do “crime organizado” (PCC, CV...), a verdade é que vivemos em meio a um “fogo amigo” que está bem longe de apagar. É preciso discernir as diversas metamorfoses do terrorismo. A crise financeira solapante dos tempos atuais não deixa também de exprimir uma versão mais light do terror econômico, fruto de uma moral decadente que, desmedidamente, promove o “elogio ao consumo” como pacote de felicidade social.

Com isso, parece que chegamos, sem tréguas, a um novo conceito de democracia. Já é tempo de flagrar o “calcanhar-de-aquiles” desta “singela”, e quase sagrada, noção política. Voltemos, mais uma vez, a Merleau-Ponty: “Hoje sabemos que a igualdade formal dos direitos e a liberdade política mascaram relações de força, em vez de suprimi-las [...]. A fraqueza do pensamento democrático reside no fato de ser menos uma política e mais uma moral, visto que não coloca qualquer problema de estrutura social e considera as condições do exercício da liberdade como dadas com a humanidade” (Sens et non-sens, p.125).

A atualidade dessa análise é evidente por si mesma: nosso conceito de democracia há tempos “caminha mal das pernas”, com uma breve “vida útil”! Da ágora grega aos palanques eleitorais, sob o filtro midiático, tudo leva a crer que permanecemos, ainda, vegetando sob a sombra do moralismo político, da mentira eletrônica, da sedução demagógica.

Se há uma lição a ser extraída da lógica funcional da moral democrática é a de que, na verdade, marcha um outro atentado mais sutil, desencadeador de todos os demais: a afirmação etnocêntrica do mundo e sua lógica econômica. É essa razão para além de todas as razões que preside e patrocina escancaradamente a indústria bélica, chegando a orientar, inclusive, a sensacionalista agenda das inúmeras convenções e encontros (G8, G20...).

Trata-se, aqui, daquela mesma lógica interna que, engenhosamente, dirige a barbárie atual e contínua, que, como diz Merleau-Ponty, “se desvia em relação às exigências permanentes dos homens” (Humanisme et terreur, p. 166). Nunca antes, na história, “terrorismo” e “democracia” andaram de mãos dadas tão juntas: “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”...




*Publicado originalmente no suplemento especial "Educação" do jornal "O Paraná", edição 459, página 7, 09/01/2009.

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