quarta-feira, 24 de junho de 2009

Drummond: o poeta do “sentimento do mundo”

Claudiana Soerensen, Mestre em Estudos Literários pela UFPR, Especialista em História do Brasil, Graduada em História e em Letras.


No início do poema “Mãos dadas” o eu-lírico drummondiano afirma: "Não serei o poeta de um mundo caduco. / Também não cantarei o mundo futuro". E no final do mesmo poema, complementa: “O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.” Desinteressado do passado (o mundo caduco) ou do futuro, esse poema anuncia o compromisso do poeta com os semelhantes. É a face social de Drummond se revelando.

A temática social, resultante de uma visão dolorosa e penetrante da realidade, predomina em Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945), obras que não fogem a uma tendência observável em todo o mundo, na época: a literatura comprometida com a denúncia da ascensão do nazi-fascismo. A consciência do tenso momento histórico produz a indagação filosófica sobre o sentido da vida, pergunta para a qual o poeta encontra, muitas vezes, respostas pessimistas.

O passado ressurge inúmeras vezes como antítese para a realidade presente. Nos primeiros livros, a ironia predominava na observação desse passado; mais tarde, o que vale são as impressões gravadas na memória. Transformar essas impressões em poemas significa reinterpretar o passado com novos olhos. O tom agora é afetuoso, não mais irônico, como no poema “Infância”.

Mineiro de Itabira, nascido em 1902, Carlos Drummond de Andrade se arma com as palavras para denunciar a opressão e lutar pela construção de um mundo menos egoísta. Poetisa o amor, a infância, o “estar no mundo”, a família, as dificuldades de compreender os sentimentos, o fazer poético, o “mundo mundo vasto mundo”, conforme expressa no poema “E agora, José ?”.

Nono filho de um fazendeiro, Drummond foi expulso de um colégio de padres jesuítas, no Rio de Janeiro, acusado de “insubordinação mental”. E o caráter questionador do poeta, jamais foi amainado. Em 1928, o polêmico poema “No meio do caminho” foi publicado nas páginas da revista Antropofagia e suscitou grande controvérsia. De um lado, os modernistas o reconheciam como uma manifestação significativa dos novos valores estéticos. Do outro, a opinião pública via o poema como uma síntese do desrespeito da nova geração de poetas em relação à “boa” literatura.

Durante boa parte da vida, Drummond conciliou sua atuação como funcionário público com a intensa criação literária. Além dos trinta livros de poesia, tem livros três livros infantis publicados e dezenove de prosa. Farmacêutico de formação, foi chefe do gabinete do Ministro da Educação entre 1934 e 1945, ano em que passou a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Até a década 1950, Drummond era conhecido apenas como poeta, apesar de já ter publicado o livro em prosa “Confissões de Minas”, em 1944. A obra “Contos de Aprendiz” chama a atenção da crítica para o Drummond ficcionista. As crônicas aparecem nos jornais, enquanto poemas e contos eram publicados em obras. Com a aposentadoria em 1962, a produção do escritor se intensifica.

Em 1987, a vida de Carlos Drummond de Andrade foi abalada pela morte da filha, Maria Julieta. No velório, muito abatido, o poeta comentou que começava ali a destruição da família Andrade. Exatos 12 dias mais tarde, o desolado coração do pai Carlos, parou de bater.

Depois da morte de Drummond, reuniu-se no livro “O amor natural” (1992) uma série de poemas eróticos mantidos em sigilo e que foram associados a um suposto caso extraconjugal mantido pelo poeta. Verdadeiro ou não o caso, o importante é que se trata de poemas bem audaciosos, em que se explora o aspecto físico do amor. Alguns enxergarão pornografia nestes poemas; outros, o erotismo transformado em linguagem poética da alta qualidade.

Toda a trajetória do poeta - qualquer que seja o assunto tratado – sobressai a tentativa de conhecer a si mesmo e aos outros homens, através da volta ao passado, da adesão ao presente e da projeção num futuro possível.

Didaticamente, a obra de Carlos Drummond de Andrade é classificada como pertencente ao segundo tempo modernista. Porém, os mais de sessenta anos de escrita drummondiana ultrapassam classificações. A questão principal de suas obras reflete: “Quanto vale o homem? / Menos, mais que o peso? / Hoje mais que ontem? Vale menos, velho? / Vale menos, morto? / Menos um que outro, / se o valor do homem /é medida de homem?”. Mergulhar no universo drummondiano é fazer um exame de auto-conhecimento. Vale conferir!

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