quarta-feira, 24 de junho de 2009

“Escrevo para me manter viva” - Clarice Lispector

Claudiana Soerensen, Mestre em Estudos Literários pela UFPR, Especialista em História do Brasil, Graduada em História e em Letras.


A professora de literatura canadense, Claire Varin, realizou estudos sobre a vida e a obra de Clarice Lispector e escreveu dois livros sobre a autora. Claire afirma que só é possível ler Clarice tomando seu lugar: sendo Clarice. "Não há outro caminho", garante ela. Para corroborar sua tese, Claire cita um trecho da crônica “A descoberta do mundo” em que a escritora diz: "O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor."

Clarice nasceu na Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920, em um pequeno vilarejo chamado Tchelchenik. Não se chamava Clarice, mas Haia Lispector. Era a terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Em fevereiro de 1922 toda a família vai para a Alemanha e, no porto de Hamburgo, embarcam no navio "Cuyaba" com destino ao Brasil. Chegam a Maceió em março desse ano, sendo recebidos por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin, que viabilizou a entrada da família no Brasil mediante uma "carta de chamada".

Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania - irmã, todos mudam de nome: o pai passa a se chamar Pedro; a mãe Mania, Marieta; a irmã Leia, Elisa; e Haia, Clarice. Pedro passa a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante. A mãe de Clarice morre quando ela tinha 10 anos. Inicia seus estudos na Faculdade Nacional de Direito, em 1939. Quatro anos mais tarde casa-se com o colega de faculdade, Maury Gurgel Valente e termina o curso de Direito. Seu marido, por concurso, ingressa na carreira diplomática.

Muda-se para Itália em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, onde o marido vai trabalhar. Já na saída do Brasil, Clarice mostra-se dividida entre a obrigação de acompanhar o marido e ter de deixar a família e os amigos. Quando chega à Itália, depois de um mês de viagem, escreve: "Na verdade não sei escrever cartas sobre viagens, na verdade nem mesmo sei viajar."

Em dezembro de 2007, em ocasião das homenagens aos 30 anos da morte de Clarice, Teresa Montero reuniu e publicou 120 cartas escritas pela escritora às irmãs. Inéditas, enviadas entre 1940 e 1957 para as irmãs Elisa Lispector e Tania Kaufmann, que então moravam no Rio de Janeiro. A maioria das cartas foi emitida por Clarice enquanto estava fora do país, acompanhando o marido diplomata. Segundo Montero, pela primeira vez é possível sondar, de maneira contínua, o dia-a-dia de Clarice: "Sabemos das suas dificuldades para publicar estando longe do Brasil, contando com a ajuda das irmãs. E também de suas idas a concertos, peças de teatro, museus, e ainda filmes que viu e escritores que a inspiraram, como Tolstói, Katherine Mansfield, Simone de Beauvoir, entre outros", conta Montero.

Mãe, Clarice Lispector divide seu tempo entre os filhos. Em 1948 nasce Pedro e em 1953, Paulo. Nasce, então, um complemento ao método de trabalho. Ela escreve com a máquina no colo, para cuidar dos filhos. Separa-se de Maury após 15 anos de casada e volta a morar no Brasil.

Um ano antes de sua morte, em 1977, o jornalista José Castello, do Jornal O Globo, entrevista Clarice:

J.C. "— Por que você escreve?”

C.L. "— Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe água?"

J.C. "— Por que bebo água? Porque tenho sede."

C.L. "— Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva."

Nos muitos romances e contos, Clarice desenvolve narrativas que tratam da condição feminina, da dificuldade de relacionamento humano, da hipocrisia dos papéis socialmente definidos, da busca pelo “eu”. “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever”, afirmou certa vez Clarice.

Sua biobibliografia ganhou em 2008 uma nova contribuição. Foi lançada pela Imprensa Oficial, a fotobiografia da escritora Clarice Lispector organizada pela professora Nádia Batella Gotlib. O livro é composto por cerca de 800 imagens da vida da escritora, muitas delas inéditas, distribuídas em ordem cronológica, além de vários manuscritos compilados ao longo de mais de 650 páginas. Nela tem-se um pouco de Clarice que assim se define: “Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe ainda a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem um imaterial peso da solidão no meio de outros."

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